VALE DE ESPINHO… PESQUEIRO (Espanha) – AS OLIVEIRAS DOS “PRETOS” DE ALDEIA DA PONTE (Sabugal)…

17 de Março, 2024

Narrativa e fotos de José Manuel Corceiro

Francisco Xavier Lopes, residente em Vale de Espinho, comprou aos “Cabaçais” os terrenos de Pesqueiro, em Espanha…

São hectares e mais hectares, uma extensíssima área de terrenos que se denominam Pesqueiro. Dista de Vale de Espinho cerca de 11/13 Km… Pesqueiro é perto de Vale de Espinho no entanto tem diferenças climáticas apreciáveis. Em Pesqueiro o Invernos é ameno, sente-se o cheirinho do clima mediterrânico… Em Vale de Espinho o Inverno é rigoroso, geia constantemente e é raro o Inverno que não cai neve…

A laboração e a oportunidade de expansão, nas terras de Pesqueiro, teve um enorme impacto na qualidade de vida dos Valespinhenses, assim como ajudou a aldeia e povoações vizinhas a desenvolver a actividade socioeconómica no âmbito da olivicultura, agricultura, pastorícia, carvoaria vegetal, apicultura, contrabando, caça, sabão, lenha…

Eram poucos os Valespinhenses que tinham mesmo muitas oliveiras em Pesqueiro, outros detinham bastantes e numerosos possuíam algumas… O terreno não era pertença da maioria dos proprietários que usufruíam das oliveiras…

Meu Avô materno, Manuel Grencho Silva, que nasceu em 24/11/1903 e faleceu em 06/02/1982… Eu, neste momento, não sei a quantidade, mas, o meu avô possuía umas centenas de pés de oliveiras, em Pesqueiro, distribuídas por cinco ou seis olivais, que eram: Oliveiras Perdidas, Oliveira Amarela, Carnicas, Crelgo, Cachão… mas, o solo das oliveiras, não lhe pertencia.

Em Pesqueiro, meu avô era coproprietário com o “ti” Domingos “Macias”, de três casinhas térreas, confinantes e em linha, no meio dum seu olival, junto da margem direita do ribeiro de Carnicas… Duas das casitas serviam para abrigar os animais, cavalo ou burro, guardar os mantimentos destes, assim como proteger algumas alfaias agrícolas. A outra casinha funcionava como um humilde lar, onde as pessoas cozinhavam, comiam e dormiam, sobretudo durante a apanha da azeitona…

Eu quando criança fui diversas vezes a Pesqueiro e participei, ocasionalmente, na apanha da azeitona…

Nas deambulações, em Pesqueiro, constantemente ouvia o meu avô dizer:

– Aqui é a Abelheira, dos Lopes; – aqui é a Prensa; – aqui é o Olival do Ano (porque o olival tinha 365 pés de oliveira, prédio dos Lopes); – aqui é isto…; – aqui é aquilo…; – aqui são as oliveiras dos “Pretos” de Aldeia da Ponte. – As oliveiras dos “Pretos” são administradas pelo “ti” José Clemente…

Ora, eu durante todo este calcorreio, em Pesqueiro, que era bem do meu agrado, prestava atenção a tudo e todo eu era ouvidos… A minha alma estava ansiosa para compreender e descobrir o desconhecido, pois tudo isto se apresentava, para mim, como novidade, e o mistério adensava-se sempre que não obtinha explicações para as minhas pueris questões…

Eu, em Vale de Espinho, nunca tinha visto nenhum “Preto”, o mesmo aconteceu em Aldeia da Ponte, onde eu ia, algumas vezes, durante a mudança das colmeias…!

Onde raio estavam os “Pretos”?

Pois bem, esses “Pretos” de Aldeia da Ponte, geneticamente, os seus cromossomas homólogos foram recombinados e continham genes dum natural de Vale de Espinho, fruto de miscigenação entre um Valespinhense e uma Angolana…

Em 12/07/1835? nasceu, o Valespinhense, Francisco Lopes Júnior, filho de Francisco Xavier Lopes, natural de San Martin de Trevejo, Espanha,e de Maria Nabais Lucas, natural de Soito… Francisco Júnior, com 28? anos de idade, casou no dia 20/02/1860, com a jovem Valespinhense, de 16 anos de idade, Luísa de Jesus Gomes Freire, que nasceu em 22/03/1844… Era filha de Diogo Gonçalves Moreiro, natural de Vale de Espinho, e de Inês Gomes Freire, natural de Quadrazais… Foram padrinhos de casamento o irmão do noivo, Bernardo Lopes e a esposa, Rita Martins…

O casal Francisco e Luísa de Jesus redobraram o seu avultado e bem bafejado pecúlio herdado, e, assim, em Vale de Espinho, conseguiram consolidar uma enorme fortuna, cujo amealhar provinha, quer dos rendimentos dos prédios dos quais eram proprietários, quer do lucro de todo o tipo de mercadorias, que comercializavam nos seus estabelecimentos… Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que foram um casal muito influente na região e tornaram-se o casal mais rico de Vale de Espinho…

O casal Francisco Lopes e Luísa tiveram pelo menos onze filhos, mas de momento, vamos seguir o percurso de dois, dos seus filhos: Alfredo Lopes, que nasceu em 13/05/1871, e Francisco Lopes, que nasceu em 11/03/1876… Os irmãos Alfredo e Francisco, ufano dos pais e irmãos, tiveram um certo paralelismo no rumo das suas opções e sina de vida… Ambos frequentaram a Universidade de Coimbra, onde se licenciaram em Medicina… Alfredo, num período curto, ainda exerceu clínica em Alfaiates. Depois partiu para Angola onde passado algum tempo se lhe veio a juntar o jovem irmão Francisco, já médico… Em Angola, os irmãos médicos, pouco tempo conviveram e se regozijaram da companhia um do outro… Pois, passado pouco tempo, Alfredo foi acometido pela temível febre hemoglobinúrica (malária) e faleceu no Hospital de Luanda devido a essa parasitose. Algum tempo, após a morte de Alfredo, também Francisco foi infectado pela odiosa febre do paludismo, que já tinha aniquilado o irmão… Devido ao progressivo estado de debilitação e depauperamento, que atormentava Francisco, decidiu-se e regressou a Vale de Espinho… Mas, ao voltar à terra das suas raízes e que o viu crescer, as melhoras não o compensaram e após passar cerca de 20 dias no seio familiar, o jovem Francisco definhou, não resistiu e foi vencido pela terrível febre hemoglobinúrica… Encetou a sua última viagem em paz com a sua consciência, por ter tido tempo de cumprir a devoção a que se propôs, que para ele era ponto de honra e dever sagrado… A morte dos dois jovens irmãos deixou a família destroçada e o povo de Vale de Espinho consternado, pois eram dois jovens lhanos, que eram admirados e muito estimados na aldeia… Gente boa… O pai, Francisco Lopes Júnior, que com carinho e sublime orgulho depositou toda a esperança e empenho na formação dos dois queridos filhos, que glorificara, ficou com o coração dilacerado, ao ver partir os filhos, na flor da idade e no desabrochar de vidas tão promissoras … Não resistiu à dor que o minava e o angustiava, e passado pouco tempo, abandonou-se e partiu também…

Os dois jovens irmãos médicos eram solteiros, quando faleceram… Mas, o fruto da paixão do amor entre um dos jovens, e uma nativa africana, gerou uma alma em que a melanina a definia como sendo mestiça.

Francisco Lopes, ao regressar a Vale de Espinho, já doente, fez questão de assumir a responsabilidade do testemunhado afeto e trouxe consigo o inocente ser… Foi o cumprir duma obrigação que muito o honrou e assegurou a natural continuidade e protecção da cadeia do ADN, do Francisco ou do Alfredo, ao preservar e venerar a descendência… De Pesqueiro, a criança, depois homem, recebeu as oliveiras que faziam parte do herdo dos avós …

Desconheço a razão porque foi a viver para Aldeia da Ponte…

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