O Lebre (Vale de Espinho, Sabugal)

17 de Março, 2024

Uma narrativa de José Sanches Pereira

O LEBRE

Apareceu na nossa aldeia assim de repente.

 As pessoas interrogavam-se donde teria vindo! Algumas diziam que era do campo, dos lados do Salvador ou de Penha Garcia. Outras afirmavam que era de Monsanto, talvez de Medelim, ou quiçá de Proença-a-Nova. Tinha aspeto de um pobre diabo. As roupas meio esfarrapadas, as calças sujas com a breguilha à mostra e uma camisa descorada, diziam-nos, logo, tratar-se de uma personagem estranha. Passado alguns dias da sua presença na aldeia, viu-se logo que o trabalho não era nada com ele. Pedia um bocado de pão ali, uma malga de caldo acolá e assim se ia governando. Quando o chamavam para fazer algum serviço mais pesado, como tirar o estrume da loja das vacas, ajudar a partir lenha, carregar um carro de giestas ou outro serviço qualquer, escapulia-se sempre. Mas havia uma altura em que ele nunca dizia que não. Era quando o chamavam para beber um copo. Via-se que o vinho a correr pela goela lhe dava uma sensação inebriante. Estava de tal maneira alcoolizado que ao segundo copo já não se entendia nada do que dizia. As palavras baralhavam-se-lhe, a saliva acudia-lhe à boca o ranho escorria pelo queixo abaixo e ao terceiro copo já começava a cambalear.

 Foi o povo que o batizou com o nome de LEBRE Provavelmente este nome surgiu pelo fato de viver, digamos assim, como uma lebre. Andava sempre com a mesma roupa, dormia em qualquer lugar, hoje num palheiro, amanhã no canto de um curral, debaixo de uma varanda, ou mesmo encostado a uma árvore, como acontecia no verão. Pouco ou nada se sabia dele. Quem era? Teria família? Seria casado? Estaria divorciado? Será que teria filhos? Ninguém tinha qualquer conhecimento.

– Oh ti LEBRE, diga-me lá, mas afinal quem é você? Perguntei-lhe um dia.

Olhou-me duma forma estranha, de soslaio, com a cara virada para o lado, o olhar pousado no chão, como quem diz: o que é este gajo quer saber? Olha que não paga meio quartilho.

-Sou um homem do mundo…E afastou-se cabisbaixo, contrariado, diria quase zangado, mas verdadeiramente incomodado por querer saber da sua vida.

Os dias para ele não traziam qualquer perspetiva de algo diferente. Acordava quando acordava Dependia, da bebedeira da noite anterior. Normalmente a cama ficava quase sempre na periferia da povoação., Não se vestia nem calçava, pois nunca tirava a vestimenta, exatamente como as lebres. Entrava na povoação e tentava comer qualquer coisa pedindo a quem lhe parecia ter melhores condições, isto é, quem vivia melhor. Antes porém a maior preocupação, era matar o BICHO. Andava em redor das tascas, para cima e para baixo, na esperança que o chamassem para fazer algum biscato. Sim, por que se lhe aparecesse um trabalhito leve, ele não se escusava, pois era a única forma de obter alguns tostões para o copo. Trabalhos como ir dar uns recados, ajudar a matar um porco ou uma vitela, empilhar o monte de lenha partida, guardar as vacas nalgum lameiro enfim, qualquer coisa que não magoasse muito o corpo, aceitava de bom grado.

-É um estupor de mandrião. É um gandulo que não quer trabalho! Deviam metê-lo dentro duma pipa de vinho para se fartar, diziam no povo.

-Oh ti LEBRE, o que é que lhe dava mais satisfação? Perguntei-lhe uma certa vez.

-Olhe, se fosse rico, enchia um grande tanque com vinho e depois nadava, nadava, tornava a nadar, mergulhava, mergulhava, gargarejava e depois bebia, bebia até ficar farto!.. Os olhos irradiavam uma enorme satisfação.

Algum dinheirinho que arranjava já se sabia que era para vinho, ou para um copo de aguardente. Não podia deitar-se com um tostãozinho no bolso. Alguma moeda que sobejasse tinha de gastá-la. Era como se as moedas o queimassem. Tinha de desfazer-se delas. O dinheiro que melhor lhe sabia era o que ganhava apregoar. Era o pregoeiro da aldeia. Quando o ti Manel Nénico, um dos quatro taberneiros da terra, matava um borrego ou um cabrito a melhor maneira de dizer ao povo que tinha boa carne barata para vender, era anuunciá-.la com um pregão. Era o LEBRE, que com sua voz roufenha, amedrontada pelo álcool e pelo tabaco, percorria a rua da procissão, a rua principal que contornava a aldeia e que nos dias festivos via passar os andores, com todos os santos da igreja, dava a conhecer com o pregão habitual.

-Carne, de xibo em casa do ti Manel Nénico a dez mil réis o quilo. Ai fregueses!.. Ai que se acaba! Andava mais uns metros e repetia. Carne de xibo em casa do ti Manel Nénico a dez mil réis o quilo. Ai fregueses!.. Ai que se acaba.

 A volta demorava cerca de hora e meia a duas horas. O andar era compassado, para que o tempo fosse passando e assim valorizar mais o trabalho. A volta terminava sempre na tasca do ti Nénico. Então vinha a parte mais importante para o LEBRE, o pagamento.

Entrava na taberna, bebia um copo de aguardente, comia um bom naco de pão centeio com um bocado de queijo de cabra e a seguir emborcava meio litro de vinho.

-Oh LEBRE, hoje só te dou meio quartilho de vinho, dizia-lhe o Nénico.

-Não quero cá porras! Tratos são tratos! Combinámos meio litro e é isso que tens de me dar.

É claro que depois de acabar o vinho, o LEBRE ficava completamente “grosso”. Então enfiava-se pelas ruas à procura de algum velhote que lhe desse um cigarrito, feito com mortalha e tabaco “Duque” e ia curti-la no canto de qualquer curral.

Muito embora na aldeia houvesse muita miséria e a maioria das pessoas vivesse com muitas dificuldades, esta situação ocorreu nos anos 50, alguns anos antes de se iniciar a emigração para a França, havia, contudo, pessoas com dinheiro e que viviam muito bem. Comerciantes, negociantes, lavradores abastados e muitos que se dedicavam ao contrabando tinham bons pecúlios arrecadados.

Era o caso do Lexandre Barreiras que vivia muito bem. Diziam que tinha muito dinheiro. Talvez fosse verdade, pois vivia numa bela casa, possuía um bom cavalo e tinha um filho a estudar. O Lexandre era um grande negociante de peles. Comprava todo tipo de peles; de cabra, de cabrito, de ovelhas, de borregos, de coelhos, de lebres e até de javali quando aparecia alguma. Percorria todas as terras da raia, montado no seu belo cavalo «o Tó Broque» e tinha monopólio das peles da região, até porque não tinha concorrentes.

O Lexandre era um bom homem. Não se dizia nada dele. Mas, como a maioria, gostava muito do seu copinho. E por isso aos domingos, como a maioria dos homens ia até à taberna do ti Chaparrinho beber uns copos, dar dois dedos de conversa, contar e ouvir o que se passava na aldeia e porque não fazer algum negócio.

Porém, um certo dia, já bem bebido, palavra puxa palavra, tu és este e tu és aquele, envolveu-se numa zaragata com o Minau. Murro dum lado, murro do outro, pontapés dum lado, pontapés do outro, às tantas o Minau abraçou-o por detrás, deu-lhe uma dentada na orelha e ficou com um bocado do lóbulo na boca. Quando os conseguiram separar o sangue corria pela cara e pelo pescoço do Lexandre e tinha ficado sem um bom bocado de orelha. Entretanto os ânimos acalmaram, a bebedeira afrouxou, os ânimos serenaram, ambos tinham razão e voltou tudo à normalidade. O Lexandre ficou sem um bocado da orelha e o Minau coma cara cheia de  nódoas e a cana do nariz partida.

A dez quilómetros de Vale de Espinho, fica o Soito, a freguesia maior, mais rica e importante do concelho.

Na época destes acontecimentos, o Soito era a única aldeia que se dava ao luxo de possuir um médico. Com efeito, o Dr. Armando vindo de Coimbra, estabeleceu-se na freguesia, casou com a filha do negociante mais rico da terra, proprietário de muitos hectares de boas terras agrícolas com uma casa apalaçada e com muito dinheiro. Abriu o seu consultório, numa das muitas casas do sogro e de pronto ganhou fama por todo o concelho. Era um artista, que abrangia praticamente todas as especialidades da medicina. Frúnculos, carbúnculos, que na altura abundavam na região, extracção de balas, resultado das desavenças frequentes, que muitas vezes culminavam com disparos de pistola ou espingarda caçadeira. Era perito na intervenção em partos, quando a paciente tinha dificuldade em parir e a parteira da terra já nada podia fazer e a mulher corria o risco de vida. Tinha um jeito especial para dentista o que o levou a montar um consultório na vila, onde ia duas vezes por semana. Arrancava dentes, punha placas, e quando o dente ainda podia ser chumbado, era extraído na mesma. O seu nome rapidamente se espalhou por toda a região e começou a assustar os três médicos da vila, que viam fugir-lhes a freguesia.

Por razões do seu oficio, o Lexandre Barreiras passava frequentemente na vila, onde sempre aproveitava para beber uns copos, já que na taberna do Campaínhas havia do especial, nada comparável com a zurrapa do de Vale de Espinho. Parava, não era só por ele, mas também pelo cavalo, que necessitava de comer a ração de grão de centeio servido no bornal. Entrar na taberna, além do mais, era uma forma de matar o tempo, pois enquanto o cavalo comia ele bebia. O problema era que quando se descuidava, o vinho já estava a subir-lhe à cabeça e a ficar meio desorientado.

Foi exactamente num desses momentos, que o Lexandre viu passar na rua o Dr. Armando e, enchendo-se de coragem, saiu da tasca para o abordar.

-Oh senhor dótor, desculpe lá. O senhor dótor é capaz de me por o bocado da orelha que aqui me falta? Levei aqui uma dentada e cortaram-me este bocado. Sinto-me envergonhado de andar assim.

O Dr. Armando olhou-o de soslaio, mediu-o de alto abaixo, apalpo-lhe a orelha passou-lhe os dedos pela cicatriz, e viu pela aparência que era um homem de negócios o que supunha ter massas.

-Olha lá, como é que te chamas?

-Sou o Lexandre Barreiras de Vale de Espinho.

-Tem graça já tinha ouvido falar de ti. Amanhã aparece lá no Soito no meu consultório e  iremos ver o que se pode fazer.  Penso que sou capaz de te resolver o problema.

-Sabe senhor dótor, neste caso eu não olho ó dinheiro. O que eu queria era ficar com orelha como dantes. As pessoas olham para mim assim, riem-se, fazem troça e eu sinto-me muito incomodado.  

-Vai descansado. Vamos ver o que se pode fazer.

Então eu amanhã lá estarei. Bem-haja senhor dótor.

O Lexandre já se dirigia  para o cavalo que tinha o bornal da ração vazio, quando ouviu a voz do médico.

-Olha lá, tu arranjas alguém que te dê um bocado de orelha?

O Lexandre não respondeu, abeirou-se do cavalo, meio entorpecido, montou e seguiu para Vale de Espinho.

No caminho para Vale de Espinho, durante o percurso daqueles quinze quilómetros, o vento cortante que lhe fustigava a cara, ajudava-lhe a aclarar mais as ideias, e à medida que os vapores do álcool se iam dissipando, a memória começava a reanimar-se. De repente teve uma ideia luminosa. E se o LEBRE lhe vendesse o bocado da orelha que lhe faltava! Que interessava ao LEBRE ter as duas orelhas em bom estado. As orelhas não lhe serviam para nada. Mais orelha menos orelha para ele seria indiferente. O que necessitava era de dinheiro para vinho e tabaco.

Na manhã seguinte, a primeira coisa que o Lexandre fez, mesmo antes de petiscar alguma coisa, foi procurar o LEBRE. Percorreu a maior parte das ruas da aldeia, sem o encontrar. Por fim lá o descobriu, ainda embriagado, deitado no curral do Lei Onze, que ficava mesmo ao lado da taberna do ti António Lucas. Arrumou-lhe dois pontapés para o acordar e disse-lhe:

-Acorda meu animal, que tenho pressa em falar contigo.

O LEBRE despertou assustado, irritado pela maneira como o acordaram e ainda com a voz rouca e baralhada pelo vinho e pelo tabaco, exclama:

-Mas que merda é esta! O que se passa.

-Olha lá. Queres vender-me um bocado da tua orelha?

O LEBRE ficou como que petrificado com a proposta que ouviu. Não percebeu verdadeiramente o que é que o Lexandre queria. Não estava a entender nada. Provavelmente estaria gozá-lo, como era seu hábito.

-Ontem estive na vila com o medico do Soito e disse-me que se arranjasse alguém que me desse um bocado de orelha, fazia-me uma enxertia. Queres ou não vender-me um bocado?

-É tudo uma questão de negócio, respondeu o LEBRE. Quanto me dás?

-Diz tu quanto queres.

Se quiseres a orelha tens de dar-me um xibo, um garrafão de cinco litros de vinho e um conto de réis em dinheiro.

-Isso é muito. A orelha não vale tanto. Dou-te dois garrafões de vinho, um xibo e dois trigos.

-Não e não. Escusas de ter mais conversa. Ou me dás um xibo, cinco litros e um conto de réis ou não há negócio.

-Pronto, negócio fechado. Vamos beber o alboroque.

Estavam perto da taberna do Zé Nénico e festejaram com dois meios quartilhos cada um. Depois de beberem, o Lexandre montou no cavalo, pôs-se a caminho do Soito e às onze horas estava a entrar no consultório do Doutor Armando.

-Cá estou senhor Doutor. Já encontrei que me venda o bocado da orelha? Diga-me lá, quanto me leva para  por a orelha?

-Olha Lexandre. É um trabalho que exige muito cuidado e atenção, pelo que se torna carito. O preço que te faço é de cinco contos de réis.

-Oh senhor Doutor isso é uma fortuna. Ainda a semana passada comprei um lameiro que dá oito carros feno, por dez contos e o senhor quer cinco contos por colocar um bocado de orelha.

-Olha que não é caro, atendendo que ficas perfeito como dantes.

-Está bem. Quando é que nos quere cá.

-Vinde amanhã à mesma hora.

O Lexandre saiu do consultório verdadeiramente satisfeito, por ver que estava perto de solucionar um problema que lhe causava verdadeiros incómodos, vergonha e mal parecer.

Chegado a Vale de Espinho, combinou como LEBRE encontrarem-se às nove horas, do dia seguinte, na taberna do Chaparrinho, já que tinham de estar no Soito por volta das onze.

No dia seguinte, quando o Barreiras chegou à tasca, já no Lebre tinha enjorcado dois copos de aguardente, para mata-bicho. Estes são por conta do Lexandre Barreiras, disse para o taberneiro. O Barreiras não tomou nada.

Montaram os dois no cavalo e foram a caminho do Soito. O consultório do Dr. Armando ficava no centro da aldeia e os baixos da casa eram explorados por um imigrante com um café taberna. Com ainda era cedo e não tinham comido, mandaram assar um bocado de carne de borrego. Enquanto a carne assava, o Lebre enfiou-lhe mais dois copos de aguardente, que o deixaram completamente “grogue”. A medida que iam comendo, emborcavam mais uns copázios de vinho. O Barreiras dizia que era uma boa pomada e que era um sacrilégio deixar algum resto na jarra. Quando acabaram o repasto, o Lebre estava com um “pifo” que não se tinha de pé. Estava de tal maneira, que o Lexandre teve de segurá-lo e ajuda-lo a subir as escadas do consultório.

-Então é este o homem? Perguntou o médico. Sentem-se,

O Lebre não acertou na cadeira, espamparou-se no chão e foi o Barreiras que o ajudou a levantar. O doutor Armando mediu, com um duplo decímetro, as extremidades do corte da orelha do Lexandre, determinou a altura e a largura da parte cortada e foi traçar na orelha do Lebre, com uma esferográfica, um risco, com as mesmas distâncias do corte da orelha do Lexandre. Passou-lhe pela orelha um pedaço de algodão em rama embebido em éter, pegou no bisturi e começou a cortar devagarinho, seguindo o traço já marcado.

-Ai Jesus. Ai Jesus. Oh senhor dótor pare que eu não aguento a dor, berrava o Lebre, como um capado.

O médico continuava o corte com muita calma, como se nada estivesse a ouvir.

-Ai Jesus Nossa Senhora. Ai Jesus e Jesus. Eu não aguento a dor.

-Há-de doer-te muito! Disse o Doutor. Deixa-te de choraminguices! Com bebedeira que tens não precisas de mais anestesia. Já estás suficientemente anestesiado.

Depois do corte, como bocado da orelha seguro com uma pinça, colocou-o na falha da orelha do Lexandre, coseu-o com agulha e linha e para maior segurança colocou-lhe três agrafos. Desinfetou a orelha com mercúrio e protegeu-a com adesivo. Nessa altura já o Lebre estava calmo e sossegado, não se apercebendo do que estava a acontecer.

Saíram do consultório depois do Lexandre pagar os cinco mil escudos ao Dr. Armando, mas antes de montarem no cavalo para regressarem, ainda entraram na tasca para petiscar e beber mais uns copos.

O caminho do Soito para Vale de Espinho, é um caminho sinuoso, que corre por entre barrocos, com o piso coberto de pedregulhos soltos, lajedos, pedra miúda e mato, tornando o caminhar incómodo e muito maçador. Se, para um peão é desagradável andar por estas veredas, para um cavalo a situação piora, pelos solavancos e saltos que o cavalo dá.

O percurso decorria normalmente mas, a determinada altura o Lexandre, ainda debaixo dos efeitos do vinho, quis mostrar ao Lebre que tinha um bom cavalo e vai de meter espora na barriga do animal. O cavalo arranca num galope desenfreado, com saltos bruscos por entre o lajedo e as pedras soltas, entra numa correria aparatosa, fortes solavancos, quase impossível de travar o animal no ímpeto da corrida. E é então, devido aos saltos do cavalo, que o adesivo da orelha do Lexandre descolou, os pontos soltaram-se e o bocado da orelha ficou dependurado, preso ainda por um dos agrafos.

Quando o Lexandre se apercebeu do sucedido, moderou o cavalo, virou-se para trás e disse:

-Filho duma puta, tu enganaste-me! A tua orelha não é boa! A tua parte não pegou. Não te pago.

-O Quê? Não me pagas! Retorquiu-lhe o Lebre. Eu tenho alguma culpa que não ficasse enxertada! Se não me pagares mato-te. Eu não tenho pistola, mas enfio-te um estadulho pelo olho do cú acima. Tratos são tratos e são para cumprir.

-Só te dou o xibo, os cinco litros e mais nada.

-Quero o xibo, os cinco litros de vinho e o conto de réis. Fiquei com a orelha defeituosa e tens de pagar-me disse o Lebre.

-Olha que o bocado que te tiraram não te faz falta nenhuma. Nem se vê. Tu andas sempre com o chapéu enterrado até aos cornos, tornou o Barreiras.

Sinceramente, não sei qual o final do negócio. O Lexandre deve-lhe ter dado o conto de réis porque passei a ver o Lebre melhor vestido, a fumar tabaco de onça, sempre bem bebido, recusando-se a fazer qualquer biscato, com a barba feita e chapéu novo.

Os cortes das duas orelhas eram rigorosamente iguais, o que mostrava que o Doutor ARMANDO ERA UM GRANDE ARTISTA. 

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